terça-feira, 10 de dezembro de 2013

“Para mim o viver é…”

Ricardo Barbosa de Sousa
O psiquiatra austríaco Viktor Frankl (1905–1997), judeu, escreveu um impressionante relato sobre o tempo que passou nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. Em setembro de 1942, ele e sua família (sua mulher estava grávida) foram levados para diferentes campos de concentração. Sua maior preocupação naqueles anos de sofrimento, sem ter notícias de sua família e sem saber se sairia vivo, foi encontrar algum sentido para a vida num ambiente dominado pela mais absoluta desolação. Foi diante desta experiência que ele disse: “Quem tem um porquê enfrenta qualquer como”.
Os temas mais importantes da vida só são considerados e refletidos com profundidade quando, por alguma razão, nos vemos privados deles. Somente quando sofremos algum tipo de perda é que reconhecemos o valor do que nos foi tirado. Assim é com a liberdade, a amizade, a fé, a esperança, a justiça.
Numa cultura tecnológica e pragmática, nos preocupamos mais com o “como” e menos com o “porquê”. Nós nos preocupamos mais com o gozar a vida e menos com seu sentido. A não preocupação com o porquê nos torna mais impulsivos e menos reflexivos. Mais vulgares e menos humanos.
Uma declaração do apóstolo Paulo que me impressiona -- e que tem me ajudado a refletir sobre o sentido da vida -- é o que ele diz aos cristãos de Filipos: “Para mim o viver é Cristo”. Quando penso que ele fez essa declaração de dentro de uma prisão, aguardando julgamento e com um futuro incerto, ela ganha um peso e significado enormes. É o porquê dando sentido ao como. Se tomarmos apenas a primeira parte da frase: “Para mim o viver é…”, como seria formulado o final?
Imagino que muitos diriam: “Para mim o viver é minha família”. Um bom sentido para a vida. Muitos reconhecem na família sua maior riqueza. Vivem para atender e suprir as necessidades daqueles que amam. Ter na família um porquê para viver pode ser um bom princípio. Outros talvez diriam: “Para mim o viver é o meu trabalho, a minha carreira”. Muitos encontram no trabalho um sentido para a vida. Vestem a camisa da empresa, sacrificam a saúde, o casamento e a família, sonham com promoções, bônus, viagens, prêmios, reconhecimento. Realizam-se na profissão. Outros diriam: “Para mim o viver é viajar, curtir a vida”. E por aí vai. Todos buscam, com maior ou menor profundidade, um sentido para viver.
Paulo escolheu Cristo como razão última de sua existência. Poderia ter escolhido carreira ou mesmo a família, mas reconheceu que, embora estas sejam realidades importantes na vida, não são suficientes para sustentar o sentido maior da existência humana. Mesmo estando preso e privado do trabalho e do convívio com as pessoas que amava, ele se alegrava com a possibilidade de pregar o evangelho de Cristo para os membros da guarda pretoriana. Cristo dava sentido não só à sua vida, mas também à sua morte.
Viktor Frankl descreve em seus relatos do campo de concentração que, além de sua fé em Deus, ele procurava manter viva a lembrança de sua esposa, com quem conversava em sua imaginação durante as longas marchas no inverno rigoroso. Ele dizia que o desejo de reencontrá-la dava-lhe ânimo. Quando terminou a guerra ele descobriu que sua querida esposa havia morrido de esgotamento -- além dela, perdeu seus pais e irmão.
Mesmo que a família e o trabalho sejam valores nobres e que nos enchem de significado, sabemos que podemos perdê-los, e o vazio que se segue é insuportável. “Para mim o viver é Cristo” transcende as realidades deste mundo e nos envolve num cenário que nos enche de sentido tanto na vida como na morte. Quando depositamos nossa confiança e esperança em Cristo, podemos afirmar, como Paulo: “Por esta razão sofro também estas coisas, mas não me envergonho; porque eu sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu tesouro até aquele dia” (2Tm 1.12).
Nas palavras de Viktor Frankl, “pode-se tirar tudo de um homem, exceto uma coisa: a última das liberdades humanas -- escolher a própria atitude em qualquer circunstância, escolher o próprio caminho”.
• Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de “Janelas para a Vida” e “O Caminho do Coração”.

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