As teses de Lutero representam um marco para a recuperação da sã doutrina. Elas registram o início da teologia que produziu a reforma na igreja. Embora ainda fizessem referência a resíduos do romanismo tais como: o purgatório, o papado, os santos e Maria como mãe de Deus, sem contestá-los a princípio, percebemos, já nesse momento, as formulações embrionárias das doutrinas que vão caracterizar a identidade protestante.
De fato, Lutero não elaborou novas doutrinas, mas, numa volta à Bíblia como fonte de conhecimento teológico e espiritual, elucidou a mensagem consignada nas Escrituras que se encontrava soterrada sob os escombros da tradição medieval. Podemos resumir a mensagem da Reforma a alguns postulados:
1. A autoridade das Escrituras – Sutilmente, durante o período medieval, as tradições tornaram-se o fator fundamental para determinar os conteúdos da fé e da moral. Um monte de entulho asfixiou a mensagem bíblica. A Reforma resgatou e restabeleceu a Escritura como fonte suprema e final quanto ao conhecimento de Deus e da sua vontade, para o indivíduo e para a igreja.
2. Justificação pela graça mediante a fé – Contestando a compreensão romanista de salvação por mérito pelas obras, que tinha como símbolo distintivo a venda de indulgências (compra do perdão) a Reforma resgatou o ensino bíblico de que a salvação (perdão, aceitação diante de Deus e santificação) é concedida gratuitamente por Deus àqueles que confiam em Jesus como seu salvador. A salvação não pode ser comprada, mas procede da misericórdia de Deus para com o pecador que se volta para a cruz de Jesus. As boas obras são decorrência da fé genuína, que faz o pecador experimentar o amor de Deus em sua vida e voltar-se agora em amor às pessoas a quem Deus ama.
3. A centralidade de Cristo – A igreja romana enalteceu o papa como cabeça da igreja e representante terreno da esfera celestial. Também Maria e os santos eram mediadores e intercessores junto a Deus. A reforma acentua que Cristo é o único mediador entre Deus e os homens. Só ele tem poder para efetivamente perdoar pecados. A sua obra na cruz é suficiente e exclusiva para a nossa salvação. É Ele que intercede junto a Deus, como advogado, por aqueles que Nele confiam.
4. Sacerdócio de todos os crentes – Contrastando com o ensino de que somente a hierarquia da igreja (o clero) constitui o sacerdócio autorizado para representar a Deus diante dos homens e vice-versa, a Reforma ensina o sacerdócio universal, isto é, que todos podem comparecer diante de Deus, estudar a sua palavra e ser agentes a seu serviço. A Reforma, conquanto reconheça vocações eclesiais específicas, afirma que todo o povo de Deus é igreja, uma igreja onde todos são chamados a servir a Deus. A vocação de cada crente para servir na sociedade humana é serviço a Deus.
Com essas e outras afirmações, os reformadores conseguiram minimizar o distanciamento da igreja medieval do modelo observado no Novo Testamento. Conquanto a obra da Reforma não tenha sido completa – e os descendentes espirituais da reforma compreendam que a igreja reformada está constantemente se avaliando à luz do padrão bíblico – a Reforma continua sendo um marco para uma genuína identidade evangélica, em meio ao conturbado contexto religioso contemporâneo.
Essas doutrinas provocaram uma enorme transformação social porque, na verdade, foram a plataforma para a libertação pessoal diante de Deus.
Christian Gillis é pastor na Igreja Batista da Redenção, membro do Conselho Gestor da Aliança Evangélica e coordenador em Minas Gerais da Fraternidade Teológica Latino-Americana/ Setor Brasil. Twitter: @prgillis
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